quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Verão de 1970

Brasília ainda mantinha o cheiro de cidade nova. Preservo na memória o cheiro da Capital Federal quando era recém inaugurada. Pinche, asfalto, cimento, resina das arvores do cerrado. Poucas pessoas têm a oportunidade de ir a uma cidade completamente novinha em folha. Eu tive. Meu olfato é excelente, qualquer dia conta umas aventuras olfativas e engraçadas.
Nas cidades satélites que foram se formando sem projeto, faltava muita coisa. .Infra-estrutura mesmo. Na nossa SHIS SUL, tínhamos tudo, asfalto, água encanada, luz, esgoto, pelo fato de serem casas populares feitas pelo governo. O restante da cidade de Taguatinga, poeira e lama eram a constante e o problema. Se existia algo que acabava com os moradores do DF nos primeiros tempos era a poeira. Aqui a terra é vermelha e solta e o vento corria solto, pois havia poucas edificações.



Antiga caixa dágua de Taguatinga



Redemoinhos eram comuns por aqui .
Uma vez passou um redemoinho doido pela minha casa. A vizinha do fundo que era baiana e cheia de histórias interessantes e muitas vezes absurdas comentou que havia um saci lá dentro. Gostei de saber disso.
O malandro do saci do redemoinho levou uns lenços que estavam no varal, minha mãe ainda tentou salvá-los mas, foi indo,indo, até que não conseguia ver mais nem um vestígio dos lenços.Pensei:pra que o saci queria tantos lenços,por que não levou uma camiseta e shorts? Assim poderia trocar de roupa.
Comecei a ler com três anos, gostava de lendas e o modelito vermelho do saci me parecia pouco criativo. Passei o resto do dia filosofando sobre isso.








Nessa época ainda usava-se lenços de tecido em bolsos. Meu pai possuía vários, a maior parte brancos, não os usava para limpar o nariz, era um charme, sempre estava pronto para ser gentil e limpar um local para alguém sentar-se, por exemplo, e era uma ótima opção quando nos levava para tomar sorvete e fazíamos aquela bagunça.




Falando nisso sabe aquele sorvete feito numa máquina com uns garrafões de água extremante açucarada,colorida e saborizada com essência?. Só o visual já era lindo e ver o sorvete saindo daquilo pra mim era como mágica, quando ligavam à máquina o som que saia me parecia música. Sorvete é a única coisa comestível que não resisto. Sou apaixonada por sorvete. Benditos sejam os chineses.
Dias desses em Caldas Novas tomei dois desses sorvetes de máquina num parque de diversões. Em cidades do interior ainda é possível encontrar alguns exemplares.
Gostaria de possuir uma máquina dessas (risos).
Sabor se infância,sabor indefinido. O suposto sorvete de framboesa veio no início alaranjado e depois ficou rosa. Portanto obviamente que o ultimo sorvete a ser vendido havia sido o de cor amarela, supostamente sabor abacaxi.. A moça riu com meu comentário. Inácio também rindo disse: Nana você não vai crescer nuca criança!Também acho estou com os mesmo 1.58 desde os 9/10 anos.






Voltando aos lençóis e lenços, é muito difícil falar sobre minhas reminiscências, principalmente na infância sem falar de minha mãe, eu era colada nela, sou a filha mais velha e desenvolvemos uma amizade além da maternidade e filiação. Eu era e sou ainda, fã dela.
O verão era mesmo uma estação perfeita para se lavar roupas,além do sol certeiro, a poeira dava uma trégua. Minha mãe as lavava com tanto prazer e requinte que chegava a ser comovente.
Fabricava um sabão especial e colocava patchouli exclusivamente para lavar lençóis e roupas brancas..
Colocava-as para “quarar” em um plástico grande e transparente que deixava em cima do gramado. Ela, dentro de um short e cantando. Minha mãe cantava o tempo todo e quando lavava roupas ela amava cantar Estrada do Sol do Tom Jobim e Dolores Duran. SE houvesse uma trilha sonora pra esse momento de minha mãe,esse seria o tema.Estrada do Sol tem cheiro de patchouli.
Dona Diva passava a manhã toda indo e voltando com baldes água com sabão e jogava por cima da roupa. Não jogava simplesmente, de qualquer jeito, ela ia aspergindo com a mão em toda extensão das roupas. Era praticamente um ritual. Havia o dia para lavar roupas de cor, ai o processo era outro e eu amava, pois gostava de ajudar a separá-las. Fazia uma seqüência cromática no chão.
A roupa quarando ia ficando quentinha, e eu gostava de ver um leve vapor que ia saído e aos poucos a roupa ia cedendo ao carinho do sol e do sabão e ia abrindo um sorriso branco.
Acredito que por isso Gaston Barchelad me encantou com seus devaneios, as coisas adquirem mesmo uma “alma” ao receberem carinho ou mal trato.Agradecem ou choram...
Ganhei um regadorzinho de plástico azul e me deixava molhar as roupas com ele. Que alegria brincar com água!!
Esse verão só não foi perfeito porque matei um arbustinho de mini roseira branca que minha mãe tinha um especial carinho e estava cultivando com tanto cuidado. Resolvi ajudar e regar a plantinha com a solução de sabão caseiro com patchouli. Achei que valia para qualquer coisa branca. Recordo-me claramente ela me dizendo: “tadinha da minha rosa-menina, flor não gosta de sabão Eliana!”.
Era uma espécie de roseira que dava cachos de rosas minúsculas, menor que uma unha e com um perfume delicioso. Ela havia recebido de alguém que a trouxe lá da nossa cidade. Foi mau mãe!!



Eu fazia um pequeno varal e estendia os lenços de meu pai. Usava clipe pra prender. Imaginava que eram lençóis de minha casa. Era bom brincar de casinha quando me deixavam usar coisas de verdade para montá-la.
Depois de adulta me tornei colecionadora de palavras e pensando sobre o tal nome “quara” ,cheguei a conclusão que deve ter algo a ver com a palavra tupy “coaraci” que quer dizer sol. Meu nome ,Eliana, significa :de beleza que resplandece ou bela como sol. Gosto disso também!
Depois de enxaguadas com anil estendia tudo nos varais. Isso ela fazia após do almoço quando o sol rachava. Era delicioso passar por entre aquelas paredes brancas, macias, cheirosas e úmidas filtrando a luz do sol. Era lindo. Nada como roupas secadas ao sol. Nada com ter seis anos.






Meu pai "seu” Elias, no auge de seus 29 anos, todos os domingos nos levava de bicicleta para ver uma partida de futebol de várzea. Ele jogava bem, ficava orgulhosa de ver meu pai jogar. Ele bem bonito e tinha pernão,como todo bom jogador de futebol. Íamos numa bicicleta grande. Minha mãe nessa época no chão, pois meu mano Edson era pequeno. Eu na garupa e os outros dois na frente numa espécie de grade para carregar caixas. Não me lembrei do nome.
Era muito bom, pois havia umas pessoas divertidas e depois da partida bebíamos Grapett e Crush.Quem não bebeu esses refrigerantes perdeu parte da vida ( permito-me um exagero infantil,hehehe)






Lamento não encontrar muitas fotografias desse período. Nessa época era moda fazer fotos em monóculos e eu infelizmente, estraguei muitos retirando os slidezinhos que havia dentro para compor pequenos quadros com aquelas flores minúsculas que existem por ai e que ninguém olha, inclusive a rosa-menina da minha mãe. Era a artista plástica aflorando dentro de mim. Apreciava muito observar pela lente de aumento do monóculo pobres formigas, joaninhas e outras criaturinhas que cabiam no pequeno compartimento.




Enfim, revirando o báu encontrei alguns monóculos dessa época, ai coloquei a objetiva da cam para mostrar pra vcoes.


=

O cenário: fundos da casa.
Elenco: Eu, super faceira mostrando meu primeiro relógio fashion que por sinal é da mesma cor da roupa.
-Minha irmã Beth emburrada por algum motivo que eu desconheço.
- Nuno cabeçudinho e lindo também de relógio.
-Tema: Será que o motivo da foto foi o evento da compra dos relógios?
Elenco coadjuvante: nosso casal de coelhos de estimação. Outro dia falo sobre esses coelhos.



Bem, acho que foi no verão de 1970 que comecei a perceber melhor o mundo em minha volta. Aprendi que a natureza tem uma força além daquelas que o homem pode controlar afinal ninguém foi capaz de pegar o saci que levou os lenços.
Que o sol além de nos permitir brincar fora de casa era o melhor ajudante de minha mãe.
Tive a minha primeira lição de jardinagem: "flor não gosta de sabão" .
Dei-me conta da importância do trabalho e dedicação que minha mãe tinha com a família, filhos, plantas e bichos. Ela cuidava de todos. Foi uma mulher especial.

3 comentários:

Lari Bohnenberger disse...

Ah, lembranças! Como é bom a gente voltar no passado e recapitular momentos importantes do nosso passado, né? Lugares, pessoas, cheiros, sensações... adorei! Fiquei meio nostálgica, lendo isso aqui!
Achei legal também a descrição de Brasília, naquela época! Tenho muita vontade de conhecer. Várias amigas minhas gaúchas se formaram e foram morar lá! Estão se dando super bem!
Adorei esse blog! Vou passar por aqui mais vezes, e continuar acompanhando essas lembranças!
Bjs!

Anônimo disse...

Não falei que voltava? Precisei de uma chuvosa tarde de domingo pra colocar a leitura do seu blog em dia. Nana, vc me fez viajar no tempo, já que tb sou um cara da década de 60, com a mesma idade da sua querida Brasília. Mais velho, pq sou do dia 4 de abril! (rs).

Crush, Grapette, sorvete de garrafão... não conta pra ninguém essas coisas, menina... kkkk

Acho que nossa geração curtiu coisas interessantes e vivenciou toda essa fantástica mudança tecnológica. Os garotos de hoje parecem não se dar conta da maravilha que eles têm nas mãos. E nós, podemos usufruir e desfrutar mais ainda, pq podemos comparar.

E estamos vivos, fortes e felizes!

abs do nil

Anônimo disse...

Puxa! ler essas memórias de infância faz qualquer de nós que nasceu nos anos 6o viajar no tempo...Por falar em Crush, quando vim de São Paulo para Big Field City (este era o nome que o pessoal da minha geração dava a Campo Grande, por nos sentirmos no "novo" Oeste) não havia este refrigerante e tentaram me enganar com a fanta numa garrafa de Coca-Cola...é isso aí!
Bacio nel'anima
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